CARNAÚBA DOS DANTAS, Brasil – A terra sustenta a família Dantas há mais de 150 anos, cultivando campos de algodão, pés de feijão até a cintura de um adulto e, quando choveu bastante, um rio que desembocava em uma cachoeira.
Mas em um dia recente, com temperaturas próximas de 100 graus, o rio secou, as plantações não cresceram e os 30 bovinos restantes da família estavam consumindo rapidamente a última poça de água.
“Daqui a cinquenta anos, não haverá alma morando aqui”, disse Inácio Batista Dantas, 80 anos, equilibrado em uma rede puída. “Digo aos meus netos que as coisas vão ficar muito difíceis.”
Sua neta, Hellena, 16, ouviu – e recuou. Ela cresceu aqui. “Pretendo trabalhar nesta terra”, disse ela.
Os cientistas concordam com seu avô. Grande parte do vasto nordeste do Brasil está, de fato, se transformando em um deserto – um processo chamado desertificação que está piorando em todo o planeta.
A mudança climática é uma das culpadas. Mas os residentes locais, enfrentando duras realidades econômicas, também tomaram decisões de curto prazo para sobreviver – como derrubar árvores para o gado e extrair argila para a indústria de telhas da região – que tiveram consequências de longo prazo.
Desertificação é um desastre natural ocorrendo em câmera lenta em áreas que abrigam meio bilhão de pessoas, desde o norte da China e o norte da África até a remota Rússia e o Sudoeste americano.
O processo geralmente não leva a dunas de areia onduladas que evocam o Saara. Em vez disso, temperaturas mais altas e menos chuva combinam-se com o desmatamento e a agricultura excessiva para deixar o solo ressecado, sem vida e quase desprovido de nutrientes, incapaz de sustentar plantações ou mesmo grama para alimentar o gado.
Isso o tornou uma das principais ameaças à capacidade da civilização de se alimentar.
“Há uma grande quantidade de evidências de que a desertificação já afeta a produção de alimentos e reduz os rendimentos das safras”, disse Alisher Mirzabaev, economista agrícola da Universidade de Bonn, na Alemanha, que ajudou a escrever um relatório das Nações Unidas de 2019 sobre o tema. “E com a mudança climática, vai ficar ainda pior.”
Nordeste do Brasil, o mundo terras secas mais densamente povoadas, com cerca de 53 milhões de pessoas, está entre as que mais correm risco. A região é conhecida por secas e pobreza, romances inspiradores sobre trabalhadores do campo carentes forçados a abandonar a terra, bem como um gênero de música, o Baião, no qual letras de acordeão fale da vida difícil aqui.
Mas as coisas estão piorando. A região teve a maior seca já registrada de 2012 a 2017 e, neste ano, outra seca secou grande parte do Brasil.
Em agosto, o último grande relatório das Nações Unidas sobre a mudança climática disse que o nordeste do Brasil enfrenta o aumento das temperaturas, um declínio acentuado nas águas subterrâneas e secas mais frequentes e intensas. Imagens de satélite e testes de campo mostram que 13% das terras já perderam sua fertilidade, enquanto quase o resto da região está em risco.
“Está chegando a um ponto crítico”, disse Humberto Barbosa, um dos maiores especialistas em desertificação que há anos estuda o nordeste brasileiro. “Um ponto sem volta.”
O presidente Jair Bolsonaro não tomou medidas significativas para reverter o processo. Em vez disso, ele retirou as regulamentações ambientais, ao mesmo tempo que capacitou mineiros e fazendeiros, e supervisionou um forte aumento no desmatamento no país. Isso ajuda a alimentar os ciclos de clima extremo. Dados do governo divulgados no mês passado mostraram que o desmatamento na Amazônia está no pior dos últimos 15 anos.
O aumento do desmatamento no Brasil tem alarmado autoridades em todo o mundo porque ameaça a capacidade da floresta amazônica de extrair carbono da atmosfera. Mas também é a principal causa da desertificação, roubando a umidade do ar e a sombra do solo.
Na região do Seridó, um conjunto de cidades empoeiradas, fazendas familiares e fábricas industriais, o impacto dos próprios moradores sobre a terra é mais claramente ilustrado pelo surgimento da indústria de cerâmica.
No início da década de 1980, os empresários locais viram uma oportunidade nas frequentes secas. Quando os reservatórios e rios evaporaram, eles expuseram a argila rica em nutrientes no fundo, perfeita para a fabricação de telhas vermelhas populares em grande parte do país.
Esses empresários começaram a pagar aos proprietários de terras pela lama e, em poucos anos, dezenas de fábricas de cerâmica empregavam centenas de pessoas. Parelhas, com 21.000 habitantes, construiu um arco de metal sobre a estrada principal para a cidade, anunciando-a como a “Capital do Azulejo”.
Adelson Olivera da Costa foi um dos pioneiros do setor, começando como gerente de uma das primeiras fábricas de Parelhas em 1980 e comprando-a uma década depois. Recentemente, em sua pequena fábrica, algumas dezenas de trabalhadores colocaram milhares de telhas para secar ao sol do meio-dia.
“Para nós, a seca é uma boa notícia”, disse o Sr. da Costa em seu escritório apertado. Ele disse que tinha 30 funcionários, e as fábricas vizinhas administradas por um filho e uma filha empregavam dezenas de outras.
Para uma área há muito dependente de plantações e gado, a cerâmica foi um salto econômico. Mas com o tempo, as consequências ficaram claras. As fábricas fazem as telhas misturando água com argila e queimando o resultado em um forno a lenha. Todos esses ingredientes – água, madeira e argila – são escassos aqui.
A fábrica do Sr. da Costa, uma das menores operações na área, usa mais de 2.500 galões de água por semana, extraídos de um poço próximo. “As pessoas não têm certeza”, disse ele sobre a água, “mas achamos que nunca vai acabar”.
Estudos recentes estimam, porém, que as águas subterrâneas da região estão diminuindo.
O forno da fábrica funciona a noite toda, de segunda a sexta-feira. Um pouco antes das 5h da manhã em um dia de semana, dois homens arrancaram galhos e troncos de grandes pilhas e os enfiaram em seis lareiras que aqueciam um forno do tamanho de uma casa. A operação consome 60 a 75 metros cúbicos de madeira por semana, ou o suficiente para encher cinco grandes caminhões basculantes.
Depois, há o ingrediente principal dos azulejos, a argila. Anos atrás, o Sr. da Costa disse que comprou argila dos leitos de lagos secos a poucos quilômetros de sua operação. Com aqueles agora esgotados, ele está arrastando lama a horas de distância.
Aldrin Perez, um cientista do governo brasileiro que monitora a desertificação, disse que leva 300 anos para depositar um centímetro de solo, enquanto as empresas de cerâmica levam de três a cinco pés de solo cada vez que extraem argila. “Em segundos, eles destroem metros de profundidade que se formaram ao longo de milhões de anos”, disse ele.
Isso pode ter um efeito devastador. O solo e a argila que eles extraem são cruciais para reter um equilíbrio adequado de nutrientes e umidade nas terras vizinhas.
“Isso mata a área”, disse Damião Santos Ferreira, o gerente da fábrica do Sr. da Costa, explicando por que algumas pessoas hesitaram em vender sua argila. “Nunca é a mesma coisa.”
A fábrica paga aos proprietários de terras cerca de US $ 10 por 30 toneladas de argila, disse ele.
Agora, a maioria dos proprietários de terras conhece as consequências. Mesmo assim, muitos ainda ficam desesperados o suficiente para vender. Um deles era o Sr. Dantas.
Em 2010, durante outra difícil temporada de seca, Dantas disse que sua família quase ficou sem dinheiro. Para alimentar a si e ao gado, eles decidiram lucrar com a lama.
“Todos concordaram”, disse Dantas. “Era necessário”, disse seu filho, Paulo.
A argila veio de um reservatório que o bisavô de Dantas construiu no século 19 para abastecer suas terras de 506 acres. Quando evaporava a cada estação seca, a família havia plantado feijão, milho e algodão no canteiro fértil deixado para trás. Era um dos seus terrenos mais produtivos.
Mas em 2010, em vez de plantar, a família viu quatro homens escavarem e retirarem o solo com pás. Demorou três meses. Eles pagaram cerca de US $ 3.500 pelo barro.
O dinheiro ajudou a família a sobreviver durante os anos de seca que se seguiram. Mas a terra ao redor do reservatório ficou quase estéril. Paulo Dantas plantou milho, feijão e melancia vários anos depois, mas a produção era tão lamentável que davam para o gado.
Então, no ano passado, choveu muito mais do que o normal. O reservatório encheu a cerca de seis pés. Hellena, neta do senhor Dantas, nadou nele. Quando secou, a família plantou sementes. Cresceu capim para o gado, mas o feijão e o milho murcharam.
“Eu realmente me arrependo”, disse Dantas sobre a venda da argila. “Eu vi que não era bom. Mas as crianças precisavam. ”
Parado na margem do reservatório, ele olhou para a terra seca enquanto o sol se punha. “Não tive escolha”, disse ele.
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