No início de “Fear”, o sentimento dominante é a solidão. Em uma cidade costeira da Bulgária, filmada em preto e branco sombrio e expressivo, uma mulher de meia-idade chamada Svetla (Svetlana Yancheva) leva uma vida que parece encolher diante de nossos olhos. A escola onde ela dava aulas fecha, deixando-a desempregada. Viúva, ela visita o túmulo do marido, compra alguns ovos a crédito em uma pequena mercearia e se envolve em algumas brincadeiras inconstantes com um grupo de soldados.
Os soldados trabalham para a patrulha de fronteira e, no devido tempo, são alertados sobre a chegada de um grupo de migrantes do Afeganistão. Lidar com refugiados é uma questão de rotina tediosa – pessoas deslocadas passam por aqui com frequência, esperando chegar à Alemanha – embora um repórter de televisão tente sensacionalizar a situação. Ela faz ao comandante da unidade (o maravilhosamente rude Stoyan Bochev) perguntas importantes sobre terroristas e traficantes de drogas e diz a seus espectadores que o clima na fronteira é “tenso”. Na verdade. Os afegãos estão cansados e ansiosos. Os moradores parecem ser afligidos por uma mistura de mau humor e resignação, divididos entre xenofobia e compaixão.
Svetla experimenta sua própria versão dessa luta quando conhece Bamba (Michael Flemming), um refugiado do Mali. O primeiro encontro deles, enquanto ela está caçando coelhos na floresta não muito longe de sua casa, tem uma qualidade surreal, quase caricatural. Ela brande sua espingarda como um Balkan Elmer Fudd. Bamba coloca cuidadosamente sua mala no chão e a cumprimenta em inglês, uma língua que ela não fala. Perplexa, ela o traz para casa, colocando-o primeiro em um galpão de armazenamento e depois em sua casa.
É a amizade deles, caminhando para o romance, que inflama os vizinhos de Svetla e ativa o medo do título do filme. O diretor, Ivaylo Hristov, é adepto do suspense lento e da má direção cômica. A princípio, o racismo casual que apimenta as discussões sobre o hóspede de Svetla parece uma questão de ignorância – feio, mas não totalmente odioso. Hristov mostra como as palavras levam a ações, como o ciúme e o tédio se misturam ao preconceito em uma bebida tóxica. Alguém joga uma pedra na janela de Svetla. Graffiti obsceno aparece na frente de sua casa. Um aglomerado de pessoas da cidade que poderiam ter sido descartados como caipiras, bêbados e palhaços se aglutina em algo como uma turba de linchamento.
É assustador. Não que Svetla se assuste facilmente. Yancheva emite uma forte vibração de Frances McDormand – sarcástica, cansada e impaciente, seu jeito brusco encobrindo uma decência rígida. Ela é o centro moral carismático do filme, assim como McDormand foi em “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”.
“Fear” tem um sentido de lugar mais claro e detalhado do que aquele filme mal orientado. Os rostos parecem tão vividos quanto a paisagem de campos de restolho e casas de fazenda quadradas e prédios extensos que parecem inacabados ou meio demolidos. O humor cáustico e fatalista tem um sabor local tão forte e distinto quanto as pimentas e cogumelos que Svetla prepara para o Bamba.
Ele é o catalisador das ações e reações do filme, mas ao mesmo tempo “Fear” não sabe muito bem o que fazer com ele. Flemming tem um jeito irônico e melancólico, e Bamba tem uma história trágica, mas também funciona mais como um símbolo do que como um personagem totalmente formado. Seu papel é despertar a ternura latente de Svetla, expor a intolerância das pessoas ao seu redor e ajudar Hristov a transmitir uma mensagem humanista oportuna. Mas ele continua sendo um estranho em uma história cuja moral é que ele não deveria ser.
Medo
Não avaliado. Em inglês e búlgaro, com legendas. Duração: 1 hora e 40 minutos. Nos cinemas virtuais e disponível para alugar ou comprar em Amazonas, Apple TV e outras plataformas de streaming e operadoras de TV paga.
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