Com tantas notícias recentemente, eu precisava de um pouco de fuga. Eu escaneei uma lista de candidatos da temporada de premiações para novos filmes para assistir. Eu nunca tinha ouvido falar de “O Poder do Cachorro” de Jane Campion até Sam Elliott decidir que não se qualifica como um filme de caubói. Elliott é um daqueles atores de personagens que parecem ter subsumido sua identidade central nos papéis que desempenhou em dezenas de filmes e programas de televisão. É legal cobiçar Elliott – rude, masculino, ocidental, conservador, com um bigode feito para pornografia – ou melhor, pelo tipo de masculinidade que ele desempenha. Mulheres e homens gays e pessoas não-binárias frequentemente comentam sobre seu apelo. Embora esse apelo possa ter uma vibração de problemas com o papai, também é nostálgico para uma masculinidade de estrela de cinema da velha escola que era problemática em seu próprio tempo (o colonialismo patriarcal!) O anacronismo do arquétipo de caubói de Elliott o torna seguro o suficiente para desejar.
O comentário de Elliott e o filme de Campion nos lembraram que o Ocidente pode estar morto, mas o patriarcado não desapareceu. Elliott discordou das “alusões à homossexualidade” do filme e questionou a boa fé ocidental de Campion. Já se passou mais de uma década desde que “Brokeback Mountain” deveria ter tornado sua crítica ultrapassada. Mas Elliott está surfando na onda de um ressurgimento ocidental. Seu veículo atual, “1883”, é uma prequela de “Yellowstone”, um dos programas mais populares da América. Nele Elliott interpreta basicamente ele mesmo como o último homem de verdade. É um papel que ele já desempenhou muitas vezes antes. É por isso que seu desprezo por “O Poder do Cão” chamou a atenção.
Campion lidou bem com as críticas. Não com recato, mas Nós vamos, dirigindo uma raiva justa ao direito de Elliott de criticar a autenticidade do filme. Ela atingiu o pico com um tapete vermelho entrevista em que ela tinha palavras de escolha para Elliott: “Desculpe, ele estava sendo um pouco PUTA. Ele não é um caubói; ele é um ator. O Oeste é um espaço mítico, e há muito espaço no campo. Acho um pouco machista.” Foi uma leitura elegante, como os garotos legais chamam. No dia seguinte, Campion recebeu o prêmio de melhor diretor no Critics Choice Awards. Era o arco narrativo perfeito para o drama em miniatura que se desenrolara, começando com a crítica de Elliott.
Campion abriu seu discurso de aceitação com um aceno para os grandes tenistas Venus e Serena Williams, que estavam sentados perto do palco. “Vênus e Serena, vocês são maravilhas. No entanto, você não joga contra os caras, como eu tenho que jogar”, brincou Campion. E era uma piada – horrível e sem graça. Mas está bem claro no contexto que ela pensou que estava chamando a atenção para a escassez de diretoras ao aludir a… duas atletas superestrelas negras? Foi estranho e assustador. Cheirava a tentar muito, exatamente o oposto da raiva fria que Campion tinha dirigido a Elliott do tapete vermelho. Foi, como os comentaristas de mídia social descreveram, um erro não forçado.
As pessoas na mesa do “Rei Ricardo” foram vistas rindo e batendo palmas enquanto o público confuso tentava descobrir se a piada de Campion era engraçada. Um corte rápido da câmera mostrou uma reação mais reservada de Venus Williams, que parecia confusa sobre por que Campion a havia arrastado para o roteiro. O porquê disso nunca pode ser conhecido. Eu ficaria surpreso se até Campion soubesse. Todo o momento é lido como uma tempestade perfeita de estranheza, falta de noção, arrogância e adrenalina. Para muitas mulheres negras, também parecia normal.
Há algo na gafe do discurso de aceitação de Campion que move o momento bobo de Hollywood de mundano para esclarecedor. Há a justaposição de diferentes status sociais, alguns deles não tão facilmente lidos como se poderia pensar à primeira vista. Campion é branco e, como diretor de cinema, a definição de elite cultural. Mas Venus e Serena Williams são semideusas no topo da hierarquia das celebridades. Sim, são mulheres negras, mas não são inferiores sociais de Campion. Naquela noite eles estavam fora de seu meio esportivo, presentes porque seu docudrama, “King Richard”, estava fazendo uma corrida de prêmios. O contexto de Hollywood os torna familiares, embora um pouco estranhos, companheiros de cama. E não podemos deixar de dizer que as irmãs Williams são extremamente ricas. Esse é outro nível de status. Todos esses tons de cinza influenciam o significado do roteiro sendo encenado por todos os envolvidos.
O humor é sempre um comentário sobre o que uma sociedade considera normal e o que ela considera desviante. A piada de Campion fez algumas suposições sobre as irmãs Williams que interpretaram mal onde está a sociedade. A piada só é engraçada se o mundo as entender como fêmea atletas, com seu gênero modificando suas conquistas atléticas. Desta forma, Campion tem muito em comum com Elliott. Ambos ignoram deliberadamente como a sociedade mudou. A posição das irmãs Williams como atletas negras significa que sua luta pela paridade não é a mesma de Campion. O público sentiu essa diferença, a julgar por suas respostas confusas e dispersas à piada dela. Foram os Williams que finalmente salvaram Campion, liderando o público em aplausos enquanto ela se debateu no palco.
Eu entrevistei as irmãs Williams recentemente. É difícil passar tempo com eles e acreditar que eles não são nada astutos. Eles certamente entenderam naquele caso quem detinha o poder, mesmo que eu tenha certeza de que eles saibam que as mulheres negras em sua posição não costumam ter o mesmo benefício. Mas seu status superou o de Campion. É por isso que eles eram o peso de sua piada, mas não eram vítimas da brincadeira. Os grãos finos de diferença, corporificação e status são em camadas e complexos. A experiência deles também reflete muito mais a maneira como vivemos no mundo do que narrativas culturais cortadas e secas construídas sobre os mocinhos e os bandidos. No mundo real, o contexto muda tudo.
Tressie McMillan Cottom (@tressiemcphd) é professor associado da University of North Carolina na Chapel Hill School of Information and Library Science, autor de “Thick: And Other Essays” e bolsista da MacArthur em 2020.
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