El Salvador declarou estado de emergência no domingo, quando gangues iniciaram uma matança no sábado, atirando aleatoriamente em vendedores ambulantes, passageiros de ônibus e frequentadores de mercados, marcando o dia mais sangrento no país desde o fim de sua guerra civil, há 30 anos.
Nas primeiras horas da manhã de domingo, o Parlamento de El Salvador aprovou o estado de emergência por 30 dias, suspendendo algumas liberdades civis garantidas na Constituição, afrouxando as condições de prisão, restringindo a liberdade de reunião e permitindo que o governo interceptasse as comunicações dos cidadãos.
Os militares também começaram a restringir quem poderia sair e entrar em bairros sob controle da notória gangue de rua MS-13.
As medidas são um esforço para conter a violência que matou pelo menos 62 pessoas no sábado, um recorde para o país de seis milhões, segundo autoridades do governo.
A violência ameaça manchar o histórico do presidente Nayib Bukele, o jovem líder carismático de El Salvador, cujos índices de aprovação são alguns dos mais altos do mundo, girando em torno de 85%. Bukele, 40, fez campanha com a promessa de trazer lei e ordem às ruas de El Salvador, algumas das mais violentas do mundo, e desde que assumiu o cargo, há quase três anos, parecia estar cumprindo essa promessa.
No entanto, a redução da violência pode não ter sido fruto das políticas de segurança de Bukele, mas de um acordo clandestino entre o governo e as gangues que aparentemente foi montado logo depois que ele foi eleito presidente, como foi revelado pela primeira vez pelo meio de comunicação El Faro em setembro de 2020.
Em dezembro, o Departamento do Tesouro dos EUA impôs sanções a altos funcionários salvadorenhos, incluindo o vice-ministro da Justiça e Segurança Pública, por seus papéis na negociação de “uma trégua secreta com a liderança de gangues”.
Bukele negou essas acusações e defendeu sua abordagem dura como a razão pela qual os homicídios caíram drasticamente.
Agora, dizem analistas e uma autoridade americana, esse acordo pode estar desmoronando.
Sob essas negociações secretas, de acordo com a Secretaria do Tesouro, o governo forneceu incentivos financeiros às gangues e tratamento preferencial para líderes de gangues na prisão, como acesso a telefones celulares e prostitutas. Em troca, as gangues aparentemente prometeram reduzir a violência das gangues e os homicídios.
Bukele é o último de uma longa série de presidentes salvadorenhos acusados de negociar com gangues e dar-lhes incentivos para manter a paz. A tática tem sido usada por sucessivos governos para ganhar eleições e apelar a uma população que está cansada da violência sem fim.
Um morador da capital, San Salvador, disse que acordou no sábado com uma explosão de atividades de gangues, gritos, tiros e violência depois de alguns anos de relativa paz desde que Bukele foi eleito em 2019.
Seu vizinho, um jovem, foi morto na manhã de sábado quando saía para comprar pão para sua família em seu bairro, controlado pelo MS-13. No domingo, soldados e policiais invadiram a área, restaurando a ordem.
“Este é sempre o caso: os homicídios aumentam e as operações são fortes e os soldados entram” depois que a violência termina, disse Marvin, 34, que pediu que seu sobrenome não fosse divulgado, pois mora em um bairro controlado por gangues.
“Mas em cerca de 15 dias eles vão embora e tudo vai voltar ao normal”, acrescentou, esclarecendo que normal significa que as gangues voltaram a controlar as ruas.
Bukele, um jovem e enérgico mestre das mídias sociais que prefere bonés de beisebol virados para trás à pompa e circunstância usuais ligadas ao escritório presidencial, prometeu retaliar as gangues em resposta à violência mais recente.
“Mensagem para as gangues: por causa de suas ações, agora seus ‘homeboys’ não poderão ver um raio de sol”, escreveu o presidente no Twitter no domingo, acrescentando que o governo trancou prisões e nenhum preso é permitido deixar as suas celas de acordo com o estado de emergência.
Analistas de segurança e políticos especularam que a violência de sábado pode ter sido uma tática de pressão das gangues para renegociar os termos do suposto acordo que fecharam com o governo de Bukele. A violência foi aleatória, não o resultado de brigas entre membros de gangues ou intimidação de vendedores que se recusaram a pagar taxas de extorsão, como costuma ser o caso. Ele enredava qualquer um pego nas ruas.
“Os termos do pacto anterior com o governo de Bukele podem ter sido insustentáveis e as gangues podem estar tentando mudar os termos desse pacto”, disse Paul J. Angelo, bolsista de estudos da América Latina no Conselho de Relações Exteriores. “Bukele não está deixando uma boa crise ser desperdiçada e isso aconteceu porque ele já estava pressionando a legislatura para ajudá-lo a consolidar o poder.”
O presidente salvadorenho foi criticado no passado por grupos de direitos humanos por usar os militares para interferir na legislatura e por sua decisão no ano passado de demitir juízes da Suprema Corte e o procurador-geral no que a oposição chamou de tomada de poder inconstitucional.
A emissão do estado de emergência no domingo despertou preocupações de que Bukele usará a violência do fim de semana para se fortalecer ainda mais.
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