COMO UMA CRIANÇA na jovem cidade de Brasília, uma capital futurista criada nas vastas savanas do interior do Brasil no final dos anos 50, Ilka Teodoro, agora com 43 anos, passava os fins de semana na fazenda de seu avô, a 40 quilômetros a nordeste da cidade. A fazenda ficava em uma propriedade de 48 acres dominada por arbustos baixos e árvores contorcidas nativas do segundo maior bioma do país, o Cerrado, que cobre mais de 772.000 milhas quadradas, quase um quarto do Brasil. Hoje no centro de uma área ecológica protegida chamada Águas Emendadas, o terreno de sua família incluía fileiras de plantas frutíferas e uma fundição de tijolos de adobe. Ao redor deles havia um deserto, uma paisagem seca e de crescimento lento dominada por gramíneas, arbustos e árvores floridas retorcidas que poucas pessoas – incluindo brasileiros – associam a um país conhecido por suas florestas tropicais e praias.
Teodoro e seu marido, André Venâncio, 45, que dirige uma imobiliária, cresceram sob o céu infinito do Cerrado. O sonho de uma capital do interior brasileiro remonta ao período colonial, mas não se concretizou até a eleição do presidente Juscelino Kubitschek, que fez campanha com a audaciosa promessa de trazer “50 anos [of progress] em cinco. ” O resultante centro da cidade de 8,8 milhas quadradas, ou Plano Piloto, projetado em 1957 pelo urbanista e arquiteto Lúcio Costa, tem a forma de um avião, com um núcleo monumental e duas alas residenciais curvas. Desenvolvidas nos anos 60, as icônicas estruturas institucionais projetadas por Oscar Niemeyer em Brasília – a cúpula branca e sua gêmea invertida marcando as duas casas do Congresso Nacional; as esguias colunas revestidas de mármore que erguem a Suprema Corte do chão – parecem mais nuvens do que edifícios. Projetada em torno do tráfego de veículos, ao invés de pedestres, Brasília representou uma apoteose para o planejamento urbano modernista. Para seus primeiros habitantes, principalmente os que se mudaram do Rio de Janeiro, residir em Brasília era como viver no sonho de Costa e Niemeyer – mas não para Teodoro, administrador do Plano Piloto, cargo análogo ao de prefeito. “Andando por esses espaços, passando por esses monumentos todos os dias, [felt] completamente natural ”, diz ela. Parte da segunda geração nascida em Brasília, Teodoro e o marido foram as primeiras pessoas a ver de verdade a cidade como um lar.
Por isso, quando ela e Venâncio decidiram em 2014 construir uma casa de fim de semana em cinco hectares de antigo pasto fora de Sobradinho, uma das 33 regiões ditas administrativas habitadas por três milhões de habitantes do Distrito Federal, eles sabiam, diz ela, “que queríamos ligou-se ao Cerrado e a Brasília, à arquitetura da cidade e à sua paisagem ”.
PARA CONSTRUIR SUA CASA DO CERRADO, o casal encomendou Bloco Arquitetos, escritório brasiliense fundado em 2008 por Henrique Coutinho, 47, Matheus Seco, 46, e Daniel Mangabeira, 47, que se conheceram como estudantes de arquitetura na Universidade de Brasília. Na última década, o Bloco tornou-se conhecido projetando restaurantes, lojas e residências particulares nos subúrbios circundantes, estes últimos compostos principalmente de volumes brancos luminosos erguidos contra a cortina azul do céu: vazios geométricos inspirados em arquitetos portugueses contemporâneos como Álvaro Siza e Manuel Aires Mateus. Segundo Seco, cuja família se mudou do Rio para Brasília quando ele era criança, o nome de suas firmas referências que compartilhavam estética: Em português, “a bloco pode significar um tijolo de concreto ou de cerâmica – um elemento básico da construção ”, diz ele, mas em Brasília a palavra“ bloco ”também se refere aos prédios residenciais que formam o espaço de vida da cidade, em contraste com os monumentos etéreos de Niemeyer.
As primeiras casas do Bloco emprestaram a pureza estilística de Niemeyer – formas brancas em relevo contra o céu – e refletiam uma cidade que tendia a contemplar o Cerrado, a savana tropical com maior biodiversidade do mundo, da qual apenas 55% permanece intacta. “Está desaparecendo [in part] porque quase ninguém entende sua estética ou ecologia ”, diz a paisagista Mariana Siqueira, 39 anos, que colabora regularmente com o Bloco desde que ela e a colega Amalia Robredo foram contratadas para projetar o jardim de Teodoro e Venâncio. (O Cerrado também está cada vez mais ameaçado pelo agronegócio.) Para o projeto – batizado de Casa Vila Rica, em homenagem ao condomínio em que foi construída – ela e os arquitetos queriam criar algo que homenageasse Brasília e o interior do país. de onde nasceu, trocando campos de gesso branco por pavilhões baixos feitos de vigas de concreto marcadas e divisórias de tijolo vermelho que correm paralelas ao solo. Nos meses chuvosos de verão, a casa contrasta com a vegetação verde-musgo; na estação seca, quando o terreno fica branqueado em tons de terracota e pardo, a casa, Seco diz, “torna-se parte da paisagem”, indistinguível da savana ressecada ao seu redor.
A estrutura principal é composta por dois volumes horizontais perpendiculares um ao outro – um contendo os espaços públicos, o outro com dois quartos, um escritório e quatro banheiros – e conectados por uma pequena escada e um dossel de concreto, todos pairando alguns centímetros do chão, para afastar as cobras e os insetos do Cerrado. No maior dos dois edifícios, uma laje de concreto de 33 metros cobre os 600 metros quadrados de cozinha, sala de estar e áreas de serviço antes de se estender por um pátio aberto de 888 metros quadrados com um fogão a lenha em seu centro. Colunas de concreto, em sua maioria escondidas por uma longa divisória de tijolos que protege o espaço interno da estrada de terra externa, conectam o telhado a uma plataforma de concreto pavimentada em tons de cinza cinza andorinha granito. As bordas da varanda coberta emolduram o planalto distante, transformando o horizonte em um gradiente que desaparece em um dia chuvoso de verão de verde esmeralda para cinza de algas.
A Vila Rica House não tem entrada única. Quando os convidados chegam do centro de Brasília – Teodoro queria uma casa onde pudesse dar festas – eles se infiltram de todos os lados, passando pela modesta cozinha de concreto e madeira compensada, ou subindo na varanda do jardim desalinhado de Siqueira de Siqueira. macela, rabo de raposa e grama vermelha.
Quando Siqueira começou a trabalhar na Vila Rica, o senso comum dizia que as plantas do Cerrado não podiam ser cultivadas em um jardim. Mas este projeto – que inspirou a própria empresa de Siqueira, Jardins de Cerrado, com foco em educar os habitantes locais sobre sua própria flora – refutou essa suposição. As camas retangulares escalonadas que separam a casa da estrada dão forma a um deserto incipiente de amargo e flores de aldama ensolaradas; o jardim, diz Teodoro, trouxe a vida selvagem nativa de volta ao que antes era um pasto repleto de gramíneas exóticas plantadas décadas antes para cavalos pastando. Hoje, o casal costuma acordar ao som de periquitos e pica-paus que voltaram à propriedade, empoleirados no pau terra e barbatimão árvores.
Por toda a casa, o próprio Cerrado atua como protagonista. As linhas horizontais que moldam as estruturas direcionam seu olhar através de janelas de 2,5 metros de altura, passando por uma piscina tão baixa que se assemelha a um poço. A mobília é despretensiosa ao ponto da invisibilidade – uma mesa de cozinha projetada pelo Bloco feita de duas placas de concreto; sofás de anos com capas de algodão branco – e a pouca arte que existe foi desenhada pelos dois filhos adolescentes do casal.
Enquanto os espaços públicos da casa são claros e abertos, a estrutura privada de 1.429 pés quadrados é íntima e acolhedora, envolta em tijolos vermelhos feitos de fogo local e tetos com painéis ruivos Cumaru Madeira. Pisos de concreto, entrelaçados com rachaduras finas como a superfície do japonês Kannyu cerâmica, são tingidas de ocre pela areia extraída localmente. Correndo ao longo da base da parede voltada para o oeste, painéis de vidro recuados – como a lacuna entre os prédios e o solo – fazem a casa parecer tão leve quanto o ícone de Niemeyer catedral no centro da cidade, inaugurada em 1970 e em forma de nuvem de fumaça deixada por um foguete. Mas enquanto os prédios de Niemeyer se lançam para cima, Vila Rica se espalha, como se se expandisse para preencher a imensidão que a circunda.
Desde que finalizou a casa em 2017, a Bloco vem assumindo cada vez mais projetos que preservam as cores e texturas do Cerrado. Essas edificações, como as plantações de Siqueira e Robredo, se afastam de uma beleza arquitetônica importada em favor do que existia antes: o horizonte sem fim; as pradarias que envolvem a terra; a chance não apenas de criar algo novo, mas de recuperar o que estava quase perdido. Isso, mais do que tudo, representa a arquitetura do Cerrado – não material, não forma, mas espaço, que é outra forma de dizer possibilidade.
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