O papel da primeira-dama nos Estados Unidos é, sem dúvida, complexo e indefinido. Muitas vezes, as expectativas em relação a elas estão enraizadas em um ideal de feminilidade que parece cada vez mais distante das realidades contemporâneas. Como observou Katie Rogers, correspondente do The Times na Casa Branca, espera-se que as primeiras-damas se encaixem em um “caleidoscópio de expectativas da feminilidade americana”. Nesse cenário, Melania Trump se destacou ao desafiar essas definições, mas suas memórias não oferecem uma explicação clara sobre suas motivações ou intenções ao fazê-lo.

Melania menciona que gostaria de ser uma primeira-dama “tradicional”, semelhante a Jackie Kennedy. No entanto, sua atuação no cargo mostrou-se tudo, menos convencional. Ela se mudou para a Casa Branca vários meses após seu marido assumir a presidência, tomando a decisão de permanecer em Nova York até que Barron, seu filho, finalizasse o ano letivo. Essa escolha representa uma quebra significativa com os precedentes estabelecidos, mas Melania apenas descreve essa etapa como um desafio a ser superado, afirmando que “conciliar duas funções de tempo integral em locais diferentes foi exaustivo, mas gratificante”.

Após sua mudança para a Casa Branca, sua atenção se voltou para a estética do local. Melania se comprometeu a reformar diversos cômodos da residência presidencial. Em suas palavras, seu objetivo era “preservar o significado histórico da Casa Branca e, ao mesmo tempo, criar um lar convidativo”. Essa dedicação à embelzação da Casa Branca não se limitou apenas aos interiores; ela também tentou modernizar áreas como a pista de boliche e até a construção de um pavilhão de tênis, cujos detalhes nos são revelados em suas memórias.

Contudo, essa preocupação com as aparências permeia não apenas suas iniciativas decorativas, mas também suas funções oficiais. Enquanto o livro revela muito sobre a estética dos jantares de Estado, ele deixa a desejar em termos de conteúdo sobre questões políticas mais substanciais. Melania nos apresenta uma imagem de dedicação aparentemente inabalável à organização e decoração dos eventos, como se os aspectos cerimoniais pudessem ofuscar os contextos mais profundos de sua função. Em um momento notável, ela aparece arrumando os talheres para jantares oficiais, mesmo enquanto expressava desinteresse por certos aspectos de seu papel.

Esse foco obsessivo na aparência não passa despercebido, especialmente em momentos críticos. No dia 6 de janeiro de 2021, quando o Congresso se preparava para certificar os resultados das eleições de 2020, Melania estava rodeada por fotógrafos e designers que documentavam seu tempo na Casa Branca. Em suas memórias, ela menciona que estava “ocupada com suas responsabilidades” enquanto eventos dramáticos ocorriam, deixando-a alheia à violência que eclodiu no Capitólio. Ao receber uma mensagem de sua secretária de imprensa sobre a possibilidade de condenar publicamente os ataques, Melania teria respondido de maneira seca e direta com um “Não”, o que levou a ex-secretária a renunciar minutos depois, exausta com a falta de envolvimento da primeira-dama.

Esse distanciamento da realidade política e social durante um dos momentos mais tumultuados da história recente dos Estados Unidos levanta questões sobre a verdadeira natureza do papel da primeira-dama. Em vez de influenciar ou se envolver em questões que afligem a sociedade, Melania parece ter preferido focar em sua imagem e nas suas iniciativas pessoais, uma escolha que, ao que tudo indica, não se alinha com as expectativas sociais mais amplas de uma primeira-dama contemporânea.

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