LONDRES – Quando o governante hiper-rico do emirado de Dubai no Oriente Médio se viu envolvido em um processo judicial britânico com a princesa jordaniana que já foi sua esposa, ele fez mais do que contratar advogados de primeira linha.
Ele também implantou um software de alta tecnologia comprado de uma empresa israelense para hackear os celulares de sua ex-mulher, dois de seus advogados e três outros associados, de acordo com documentos judiciais feitos público na quarta-feira.
Uma das advogadas, a Baronesa Fiona Shackleton, é membro titular da Câmara dos Lordes – potencialmente adicionando atrito ao relacionamento próximo entre o Reino Unido e os Emirados Árabes Unidos, que inclui Dubai.
Parecia ser o primeiro caso confirmado do software, conhecido como Pegasus e vendido pelo Grupo NSO, com sede em Israel, sendo usado com sucesso para hackear o telefone de um oficial britânico em exercício, de acordo com Bill Marczak, pesquisador da The Citizen Lab da Munk School of Global Affairs da Universidade de Toronto, que examinou os telefones mencionados no caso e determinou que haviam sido hackeados.
O Grupo NSO está sob intenso escrutínio nos últimos meses, após relatos de que vários governos usaram seu software para atacar oponentes.
O hackeamento, que veio à luz no processo civil governante em um tribunal de Londres, acrescentou uma nova ruga em um emaranhado já complicado de conflitos da família real árabe, diplomacia e o mundo de empresas altamente secretas que vendem tecnologias de hacking caras para governos ao redor do mundo, que podem e usam como bem entendem.
O Grupo NSO afirma que vende seus produtos a governos para uso na aplicação da lei e contraterrorismo. Pesquisadores de tecnologia descobriram muitos outros casos de tais tecnologias sendo usadas por governos opressores não para ir atrás de criminosos, mas para rastrear dissidentes políticos, ativistas de direitos humanos e jornalistas.
Em uma declaração enviada por e-mail, o Grupo NSO disse: “Sempre que surge uma suspeita de uso indevido, NSO investiga, NSO alerta, NSO encerra.”
A empresa afirmou que está comprometida com os direitos humanos e cooperou com o tribunal, embora não tenha reconhecido a jurisdição do tribunal.
Um e-mail solicitando comentários do Dubai Media Office não recebeu resposta.
A batalha legal, que continua, coloca o governante de Dubai, Sheik Mohammed bin Rashid al-Maktoum, contra sua ex-esposa, a princesa Haya Bint al-Hussein, da Jordânia, pela custódia de seus dois filhos depois que ela fugiu com eles para Londres em 2019.
Sheik Mohammed também foi acusado de manter duas filhas de outro casamento – Sheikha Latifa bint Mohammed al-Maktoum e Sheikha Shamsa al-Maktoum – cativo em Dubai depois de tentarem fugir.
Os representantes do xeque Mohammed negaram que as mulheres estejam detidas contra a sua vontade.
No julgamento do caso do tribunal civil britânico, que foi proferida em maio, mas tornada pública na quarta-feira, um juiz determinou que a vigilância havia sido realizada por agentes do Sheikh Mohammed usando software licenciado para o Emirado de Dubai ou os Emirados Árabes Unidos. Também foram submetidos à “vigilância ilegal” a assistente pessoal da princesa Haya e dois de seus seguranças, disse o tribunal.
Em declarações ao tribunal, o xeque Mohammed negou ter sabido ou autorizado o hackeamento dos telefones e alegou que o tribunal não tinha jurisdição para julgar as ações de um Estado soberano. O tribunal discordou.
O mesmo tribunal já havia decidido que o xeque Mohammed havia aprisionado suas filhas com a princesa Haya e ameaçado outra de suas esposas, embora seja improvável que ele enfrente consequências legais.
Antes mesmo de fugir para Londres, a princesa Haya, filha do ex-rei da Jordânia, Hussein, era uma figura conhecida na alta sociedade britânica. Ela foi educada em escolas particulares britânicas, representou a Jordânia como saltadora nas Olimpíadas de 2000 e foi considerada amiga da Rainha Elizabeth II.
Além da baronesa Shackleton, outro advogado da princesa Haya, Nicholas Manners, foi o alvo do hacking. O telefone da princesa Haya foi descoberto como tendo sido hackeado várias vezes no ano passado com a “autoridade expressa ou implícita” do xeque Mohammed, disse o julgamento.
A baronesa Shackleton foi informada do hackeamento por Cherie Blair, esposa do ex-primeiro-ministro Tony Blair, que trabalha como consultora de negócios e direitos humanos para a NSO, disse o tribunal.
Um gerente sênior da NSO ligou para Blair para dizer a ela que a empresa estava preocupada que seu software tivesse sido “mal utilizado” para monitorar os telefones da baronesa Shackleton e da princesa Haya, disse o tribunal. A empresa disse a ela que garantiu que o software não pudesse mais ser usado em seus telefones e pediu a Blair que contatasse a baronesa.
O voo da princesa Haya para Londres em 2019 seguiu-se a tentativas de duas filhas do Sheik Mohammed de outro casamento, Sheikha Latifa e Sheikha Shamsa, para fugir da custódia de seu pai. Ambos foram eventualmente capturados.
Sheikha Latifa foi apreendida por comandos armados de um iate no Oceano Índico; Sheikha Shamsa foi sequestrada nas ruas de Cambridge e levada de volta para Dubai. Os defensores das mulheres dizem que elas ainda estão sendo detidas contra sua vontade, alegações que mancharam a reputação de seu poderoso pai.
O paradeiro e as circunstâncias de Sheika Latifa permanecem obscuros. Embora ela tenha aparecido em um vídeo no início deste ano dizendo que estava sendo mantida prisioneira por seu pai, fotos subsequentes apareceram nas redes sociais que a mostravam na Islândia, no aeroporto de Madri e em um shopping center em Dubai. Um primo disse à campanha Latifa Livre, um grupo que trabalhou para divulgar seu caso, que ele a conheceu na Islândia.
No entanto, a princesa não falou publicamente, levantando dúvidas sobre se ela estava agindo por sua própria vontade.
Vivian yee contribuiu com reportagem do Cairo.
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