Parece uma cena da Guerra Fria.
Um presidente russo imprevisível acumulando milhares de soldados na fronteira de um país vizinho, a Ucrânia. A ameaça de invasão. Uma possível conflagração sangrenta entre Oriente e Ocidente.
Mas o que pode parecer um episódio perigoso de uma era passada estará na frente e no centro desta semana na diplomacia global, quando os Estados Unidos, seus aliados da OTAN e a Rússia se reunirem para várias conversas em Genebra, Viena e Bruxelas com o objetivo de evitar outra incursão russa no Ucrânia.
Essa potencial explosão militar ameaça desestabilizar a já volátil região pós-soviética, fustigada pela revolta popular da semana passada no Cazaquistão. Também teria sérias consequências para a estrutura de segurança que governa a Europa desde o colapso da União Soviética, há três décadas.
Em um movimento que agravou as relações já tensas entre Washington e o Kremlin, a Rússia mobilizou mais de 100.000 soldados perto de sua fronteira com a Ucrânia. Os Estados Unidos divulgaram informações mostrando que a Rússia tem um plano de guerra que prevê uma força de invasão de 175.000 soldados que os militares da Ucrânia, apesar do equipamento e treinamento fornecidos pelos EUA, teriam pouca capacidade de deter.
Na sexta-feira, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, alertou que “o risco de conflito é real”.
A Rússia fez uma lista de exigências de longo alcance: que a Otan se comprometa a interromper a expansão para o leste e retirar suas tropas dos membros da OTAN que fazem fronteira com a Rússia; que a Ucrânia cesse os desdobramentos de armamento da OTAN; e que a Ucrânia ceda aos termos russos para um acordo na guerra na parte oriental do país.
Essencialmente, Putin está tentando redesenhar as fronteiras da Europa pós-Guerra Fria, estabelecendo uma ampla zona de segurança dominada pela Rússia e puxando a Ucrânia de volta à órbita de Moscou pela força, se necessário.
Em caso de invasão, os Estados Unidos e seus aliados ameaçaram impor uma série de sanções que iriam muito além das impostas em 2014, após a anexação russa da Crimeia. Putin alertou que a imposição de novas sanções pode levar a uma “ruptura completa” nas relações com Washington.
O que está por trás da crise na Ucrânia?
As tensões entre a Ucrânia e a Rússia estão fervendo desde 2014. Foi quando a Ucrânia derrubou seu presidente pró-Rússia e os militares russos invadiram o território ucraniano, anexando a Crimeia e fomentando uma rebelião de separatistas no leste da Ucrânia. Um tênue cessar-fogo foi alcançado em 2015, mas a paz tem sido ilusória em meio a uma guerra que matou mais de 13.000 soldados e civis.
A posição do Kremlin em relação ao vizinho tem se endurecido, à medida que o presidente Vladimir V. Putin, da Rússia, insiste mais que a Ucrânia é fundamentalmente uma parte da Rússia, cultural e historicamente. As preocupações surgiram no final de outubro, quando a Ucrânia usou um drone armado para atacar um obuse operado por separatistas apoiados pela Rússia no leste da Ucrânia. A Rússia chamou o ataque de um ato desestabilizador que violou o acordo de cessar-fogo.
O que o Sr. Putin quer?
Agora com 69 anos e à beira do crepúsculo de sua carreira política, Putin está determinado a polir seu legado e corrigir o que há muito vê como a maior catástrofe do século 20: a desintegração da antiga União Soviética.
Entenda o relacionamento da Rússia com o Ocidente
A tensão entre as regiões está crescendo e o presidente russo Vladimir Putin está cada vez mais disposto a assumir riscos geopolíticos e fazer valer suas demandas.
Afirmar o poder de Moscou sobre a Ucrânia, um país de 44 milhões de pessoas que anteriormente fazia parte do bloco soviético e compartilha uma fronteira de 1.200 milhas com a Rússia, é parte de seu objetivo de restaurar o que ele vê como o lugar legítimo da Rússia entre as grandes potências do mundo. juntamente com os Estados Unidos e a China.
Putin tem retratado cada vez mais a expansão da Otan para o leste como uma ameaça existencial ao seu país, e insiste que a escalada militar de Moscou é uma reação à intensificação dos laços da Ucrânia com a aliança. Ele parece decidido a voltar no tempo 30 anos, até pouco antes do colapso da União Soviética.
O momento da mobilização das tropas russas talvez não seja coincidência. Putin está buscando energizar o apoio nacionalista em casa em meio a uma pandemia devastadora e uma economia em tropeço. No ano passado, grupos de oposição realizaram alguns dos maiores protestos anti-Putin em anos.
Mas enquanto alguns analistas retratam Putin como um astuto jogador de xadrez manipulando habilmente o Ocidente, sua última jogada pode sair pela culatra. A OTAN poderia reforçar sua presença militar em países membros que fazem fronteira com a Rússia, como os Bálticos. E uma invasão convidaria a sanções punitivas que poderiam diminuir seu apoio em um país cansado de aventuras estrangeiras que drenam recursos que muitos prefeririam ver gastos em casa.
Na Ucrânia, enquanto isso, a postura agressiva de Moscou inflamou ainda mais as paixões nacionalistas, com milícias cidadãs se preparando para uma campanha de guerrilha prolongada no caso de uma ocupação russa. E se o objetivo de Putin é reafirmar a esfera de influência da Rússia, invadir a Ucrânia desestabilizaria ainda mais a região pós-soviética, onde as tropas russas estão ajudando a restaurar a ordem no Cazaquistão e a Bielorrússia ainda está latente após uma revolta em 2020.
Como os Estados Unidos planejam responder?
No início de dezembro, o presidente Biden deixou claro que seu governo não estava considerando enviar tropas para a Ucrânia, já que, entre outras razões, a Ucrânia não é membro da aliança da OTAN e não está sob seu compromisso de defesa coletiva.
Em vez disso, Biden disse que reforçaria a presença militar americana nos países da Otan que fazem fronteira com a Rússia. E, referindo-se a Putin, ele prometeu que haveria “consequências econômicas como nenhuma que ele já viu”. Autoridades dos EUA deram a entender que Washington pode estar se voltando para sua cartilha da China – potencialmente instituindo sanções que podem privar os russos de seus amados telefones, laptops e outros aparelhos de última geração, e os militares de equipamentos avançados. Há também a opção de cortar a Rússia do sistema bancário internacional, embora os analistas tenham dito que isso é improvável.
Entenda as crescentes tensões sobre a Ucrânia
Um conflito intensificado na Ucrânia testaria a determinação do governo Biden, já que os Estados Unidos estão trabalhando para restaurar a confiança na liderança global dos EUA após a recente retirada confusa do Afeganistão e sua redução de compromissos estrangeiros sob o presidente Donald J. Trump.
A forma como os Estados Unidos lidam com a Rússia e a Ucrânia afetará seus esforços contínuos para reconstruir os laços desgastados com os aliados da Otan após a presidência de Trump, durante a qual Trump declarou a aliança “obsoleta”, chamou os países membros de caloteiros e a princípio se recusou a endossar explicitamente o alicerce da Otan princípio da defesa mútua.
Uma crise crescente na Ucrânia também ameaça derrubar os esforços recentes dos Estados Unidos e da OTAN para desviar a atenção da aliança para o desafio de segurança representado pela China e a empurraria de volta ao seu papel tradicional de proteger a Europa e, por extensão, a América do Norte.
A resposta da OTAN diante da tentativa da Rússia de neutralizar a aliança também ajudará a moldar seu peso geopolítico nos próximos anos.
O que está em jogo para a Europa?
O que está em jogo para a Europa é se ela pode permitir que Putin derrube a estrutura de segurança que ajudou a manter a paz no continente desde a Segunda Guerra Mundial. O conflito também revelou a fraqueza da União Europeia e seu fracasso como força de política externa nas relações internacionais.
A União Europeia não tem lugar à mesa na maioria destas conversações, que, afinal, são sobre segurança europeia, e procura envolver-se mais.
Com a saída da chanceler Angela Merkel, que cresceu no leste, fala russo fluentemente e desenvolveu uma boa relação de trabalho com Putin, a Europa perdeu um interlocutor inestimável com Moscou. Seu sucessor, o chanceler Olaf Scholz, é menos conhecido em relações exteriores, e é o chefe de uma coalizão complicada mais crítica sobre a Rússia do que seu próprio Partido Social-Democrata.
A Europa tem importantes laços comerciais com a Rússia e perderia muito mais do que os EUA com as sanções impostas após a invasão russa da Ucrânia. Também depende do fornecimento de gás russo, uma fraqueza que Putin explorou em disputas anteriores.
Steven Erlanger em Bruxelas contribuiu com reportagem.
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