A segunda-feira começou, para mim, com uma ligação que se tornou uma história de terror. Descobri que Dom Phillips, jornalista e amigo britânico, havia desaparecido um dia antes no Vale do Javari, uma das regiões mais perigosas da Amazônia.
Eu sabia que Dom estava trabalhando em um livro sobre a floresta tropical onde também moro. Pedi a um líder indígena do Vale do Javari que me enviasse uma foto para ter certeza de que o jornalista britânico desaparecido era ele.
Quando a foto apareceu no meu celular, a certeza me deu um soco no estômago. Era nosso amado Dom, a floresta o abraçando em verde, seu rosto ensolarado declarando que não há nada que ele tenha medo de mostrar ao mundo.
Então nossa dor se aprofundou. Sua esposa, Alessandra, e sua família na Inglaterra tiveram que ser informados de seu desaparecimento, assim como o The Guardian, para o qual era um colaborador frequente. (Meu marido é o editor de meio ambiente global do The Guardian, e Dom é um de seus melhores amigos.)
Também estava faltando Bruno Pereira, companheiro de viagem de Dom no Rio Itaquaí. Bruno é um dos principais especialistas indígenas brasileiros que tem ajudado as comunidades indígenas a defender suas terras. Na verdade, Bruno removido de seu cargo na agência federal indígena Funai em 2019, logo após ajudar a tornar inoperante uma mina ilegal. Ele teria supostamente recebido ameaças de morte antes de seu desaparecimento por causa de suas operações contra a pesca ilegal.
Acredita-se que os dois homens estivessem passando por uma área do Vale do Javari notória pela violência e extração ilegal de madeira.
Enquanto escrevo, Dom e Bruno ainda estão desaparecidos. Não sei o que aconteceu com eles. Eles podem ter sido mortos ou sequestrados. Tememos que eles nunca sejam encontrados. Mas sabemos algumas coisas. Embora uma busca esteja em andamento, o governo inicialmente demorou a agir, dificultando os esforços de resgate.
O desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira e a resposta inadequada do governo brasileiro são parte integrante da falta de vontade do presidente Jair Bolsonaro de enfrentar os danos ambientais catastróficos em curso na Amazônia. E isso é extremamente preocupante.
E desde que Bolsonaro chegou ao poder, ele se baseou na retórica nacionalista para desculpar a exploração da floresta tropical. Ele reduziu as proteções ambientais, enfraqueceu as reivindicações territoriais dos indígenas e minou os grupos ambientalistas. Ao fazer isso, ele essencialmente deu luz verde aos grileiros, que incendiaram casas e abriu fogo sobre os indígenas para fazer reivindicações ilegais. O apoio a essa destruição também está em andamento no Congresso Nacional, onde o presidente pressionou por leis para permitir a mineração em território indígena. Não é do interesse de Bolsonaro ou de seu caráter fazer algo pelos defensores da floresta tropical.
Aqueles que contestam as afirmações de Bolsonaro são tratados como se estivessem ameaçando território soberano. Em 2019, quando Dom Perguntou Bolsonaro sobre o desmatamento e outras preocupações ambientais em uma entrevista coletiva, ele respondeu: “A Amazônia é nossa, não sua”.
Eu tenho relatado sobre a floresta tropical por 25 anos e tenho observado a crescente insegurança e violência com preocupação.
Com o desaparecimento de Dom e Bruno, porém, a violência parece ter ultrapassado os limites. Jornalistas foram assassinados em cidades amazônicas, mas não foram assassinados nas profundezas da floresta por décadas. Enquanto membros de comunidades indígenas, líderes de outros povos da floresta, ambientalistas e ativistas foram mortos, os criminosos geralmente não têm como alvo os jornalistas, especialmente os estrangeiros, por razões pragmáticas: é ruim para os negócios. Atrai mais imprensa, chama a atenção das autoridades e convida ao escrutínio internacional.
Somente indígenas e um punhado de tropas realizou as operações de busca inicialmente. Não havia helicópteros no ar durante os primeiros dias cruciais. Quando soou o alarme sobre o desaparecimento de Dom e Bruno, o Exército disse na segunda-feira que estava “pronta para conduzir uma missão humanitária de busca e resgate; no entanto, a ação só será tomada sob ordens do escalão superior.” Essas ordens chegaram lamentavelmente atrasadas. Bolsonaro parecia desprezar a situação de Dom e Bruno – um “aventura não recomendada” ele disse.
Ainda esperamos um milagre, ainda esperamos que Dom Phillips e Bruno Pereira estejam vivos; ainda esperando que, se não forem, seus corpos possam ser encontrados.
A destruição em larga escala da Amazônia começou durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), e não parou com o retorno da democracia. Sob Bolsonaro, porém, a Amazônia está correndo para a catástrofe. Cientistas dizem que a Amazônia pode estar perto de um ponto de inflexão, que será alcançado quando o desmatamento atingir 20-25 por cento Agora está se aproximando de 20 por cento. Se a floresta tropical se tornar incapaz de cumprir seu papel de grande reguladora do clima, os efeitos globais serão desastrosos.
O desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira na Amazônia destaca os perigos enfrentados por aqueles que expõem a crise que enfrenta a floresta tropical do Brasil. A comunidade global deve responder rápida e fortemente.
As guerras mais prolongadas e mais difíceis de vencer do século 21 são as que se desenrolam neste exato minuto em todos os nossos sistemas naturais de suporte à vida – as florestas tropicais e os oceanos, que são os verdadeiros centros deste mundo. A menos que entendamos isso, podemos achar impossível responder com a urgência necessária para interromper nossa corrida em direção à autodestruição. Precisamos lutar por Dom Phillips e Bruno Pereira; quando o fazemos, lutamos por toda a humanidade.
Eliane Brum (@brumelianebrum) é jornalista e documentarista que cobre questões ambientais e vive na floresta amazônica. Ela é autora do próximo “Banzeiro Òkòtó: The Amazon as the Center of the World”. Este ensaio foi traduzido por Diane Whitty do português.
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