Quando a maior editora do país, a Penguin Random House, fechou um acordo no outono de 2020 para adquirir sua rival Simon & Schuster, executivos de publicações e especialistas antitruste previram que a fusão atrairia intenso escrutínio dos reguladores do governo.
A fusão alteraria drasticamente o cenário literário, reduzindo o número de grandes editoras – conhecidas na indústria como as Cinco Grandes – para quatro. (Ou, como disse um analista do setor, poderia criar o Big One e os outros três.)
Essa mudança pode afetar a indústria, potencialmente impactando editoras menores, autores e, finalmente, os livros que chegam aos leitores, disse em um e-mail o romancista Stephen King, que foi chamado pelo governo para testemunhar no julgamento.
“Quanto mais as grandes editoras se consolidam, mais difícil é para as editoras independentes sobreviverem”, disse King. “E é aí que os bons escritores estão começando e aprendendo suas habilidades.”
No outono passado, o governo Biden entrou com um processo para bloquear a venda de US$ 2,18 bilhões como parte de sua nova e mais agressiva postura contra a consolidação corporativa. O julgamento começará na segunda-feira, com argumentos orais no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Columbia, onde a juíza Florence Pan presidirá.
O Departamento de Justiça e a Bertelsmann, empresa controladora da Penguin Random House, convocaram um desfile de executivos de editoras de alto nível como testemunhas. Eles incluem Markus Dohle, presidente-executivo da Penguin Random House, e Jonathan Karp, presidente-executivo da Simon & Schuster, além de executivos de outras editoras, agentes literários e um punhado de autores.
Aqui está o que sabemos sobre o caso e suas implicações para o negócio do livro.
Por que o governo está tentando bloquear esse acordo?
O Departamento de Justiça diz que essa fusão resultaria em muita consolidação na indústria editorial, criando o que é chamado de monopsônio. Um monopólio refere-se a um vendedor que tem muito poder sobre os consumidores; um monopsônio tem muito poder sobre os fornecedores. Nesse caso, diz o governo, esses fornecedores são autores de livros que devem ser os mais vendidos, que as editoras compram com adiantamentos de mais de US$ 250.000.
O governo Biden diz que, ao diminuir o número de grandes editoras – que têm orçamentos para competir com mais frequência pelos maiores livros – haveria menos concorrência por esses títulos. Isso, por sua vez, reduziria os adiantamentos pagos aos seus autores. Como resultado, “menos autores poderão ganhar a vida escrevendo”, argumentou o Departamento de Justiça em um breve pré-julgamento.
Qual é o argumento da Penguin Random House para o acordo?
A Bertelsmann, proprietária da Penguin Random House, argumenta que a aquisição aumentaria a concorrência no setor e beneficiaria autores e leitores.
Ele diz que o acordo dará aos autores da Simon & Schuster acesso à cadeia de suprimentos e redes de distribuição da Penguin Random House, que geralmente são consideradas as melhores do ramo. As eficiências criadas pela combinação das duas empresas permitirão pagar mais aos autores, o que incentivaria outras editoras a aumentar suas ofertas para competir.
Ele argumenta que a indústria editorial é muito mais do que apenas os Cinco Grandes; outras editoras incluem Amazon e Disney, bem como “incontáveis” editoras de médio e pequeno porte. Ele acredita que o argumento do governo sobre competição e pagamento de autores exagera o papel dos leilões quando os editores estão comprando manuscritos e exagera a frequência com que a Penguin Random House e a Simon & Schuster se encontram em lances frente a frente.
Além disso, a Bertelsmann afirma que a Simon & Schuster poderá concorrer com outras editoras da Penguin Random House para livros, de modo que os autores ainda terão muitos licitantes em potencial.
Que impacto a venda teria na indústria editorial?
Não há dúvida de que uma fusão entre duas das maiores editoras dos Estados Unidos teria um impacto profundo nos negócios e na cultura editorial.
Como Hollywood, o negócio do livro depende cada vez mais dos sucessos de bilheteria para obter lucros, e as empresas apostam enormes somas de dinheiro para comprar livros de romancistas de renome como John Grisham, EL James, Margaret Atwood e Nora Roberts, ou de celebridades e figuras públicas. como Barack e Michelle Obama (todos publicados pela Penguin Random House).
De longe a maior editora dos Estados Unidos, a Penguin Random House tem mais de 90 selos e lança cerca de 2.000 livros por ano. Se a fusão acontecer, ela ganhará mais de 30 selos da Simon & Schuster e seus cerca de 1.000 títulos por ano.
A empresa combinada produziria uma porcentagem desproporcional dos livros mais vendidos, dizem analistas do setor. No ano passado, os títulos da Penguin Random House representaram 38% dos 100 livros impressos mais vendidos, de acordo com a NPD BookScan, enquanto os livros da Simon & Schuster representaram 11%.
A Penguin Random House, que já possui as principais capacidades de impressão, remessa e distribuição do setor, também ganharia os armazéns da Simon & Schuster e seu negócio de distribuição para uma rede de editoras menores.
A fusão deixaria outras três grandes editoras restantes – Hachette, Macmillan e HarperCollins – e poderia impulsionar ainda mais a consolidação do setor, à medida que outras editoras se juntassem para competir com uma rival ainda mais massiva.
O que acontece se o tribunal bloquear o negócio?
Para a Penguin Random House, o colapso do negócio seria caro. Sob o acordo de venda, a Penguin Random House terá que pagar uma taxa de aproximadamente US$ 200 milhões à Paramount Global, o conglomerado que possui a Simon & Schuster, se o negócio não for fechado.
Para a Simon & Schuster, o término da venda deixaria a empresa no limbo. De acordo com os documentos do tribunal, as evidências apresentadas no julgamento mostrarão que a Simon & Schuster “será alienada de uma forma ou de outra” da Paramount Global.
Não está claro se outra grande editora, como HarperCollins ou Hachette, gostaria de arriscar o escrutínio dos reguladores fazendo uma oferta. Uma empresa de private equity poderia comprar a empresa, mas especialistas em publicação temem que isso possa levar a grandes cortes de pessoal e resultar em menos títulos na Simon & Schuster.
Quais são as implicações antitruste?
O processo testará se o governo pode montar mais processos antitruste visando os efeitos da concentração corporativa sobre quanto os trabalhadores – neste caso, escritores de grandes livros – recebem.
Um grupo de acadêmicos, advogados e economistas progressistas argumentou que um número cada vez menor de empregadores limitou as opções para os trabalhadores e afetou negativamente seus salários. A sorte do caso do governo mostrará como tais argumentos se saem no tribunal.
Eles não são os únicos advogados tentando: há anos, um grupo de lutadores de artes marciais mistas vem buscando uma ação coletiva contra o Ultimate Fighting Championship. Eles argumentaram que o UFC é tão dominante na promoção do esporte que é capaz de manter os salários baixos, o que o UFC nega. Um tribunal decidiu em 2020 que os lutadores poderiam prosseguir como um grupo com a maior parte do caso, mas os méritos do caso ainda precisam ser considerados.
O que este caso diz sobre a abordagem do governo Biden em relação à fiscalização antitruste?
Este caso é outro exemplo da abordagem agressiva do governo à política de concorrência, que atraiu elogios da esquerda.
O presidente Biden assinou uma ordem executiva em junho de 2021 que visava aumentar a concorrência em toda a economia, em parte incentivando a Comissão Federal de Comércio a se concentrar na maneira como a concentração pode prejudicar os trabalhadores. No pedido, ele pressionou a agência a analisar novas regras que limitam os acordos de não concorrência, que, segundo ativistas, dificultam que os trabalhadores aceitem melhores ofertas de emprego e impedem que os empregadores compartilhem informações salariais uns com os outros para reduzir os salários.
A FTC e o Departamento de Justiça também tentaram testar novas teorias jurídicas no tribunal. A FTC pediu na quarta-feira uma liminar para impedir a Meta, empresa anteriormente conhecida como Facebook, de comprar um estúdio de realidade virtual, refletindo um novo foco em como os gigantes da tecnologia compram startups. O Departamento de Justiça também contestou a compra de uma empresa de tecnologia de saúde pelo United Health Group, argumentando que daria à seguradora acesso a dados confidenciais sobre seus concorrentes. Mas resta saber como os tribunais receberão esses esforços.
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