“Fire Shut Up in My Bones”, que abriu a temporada do Metropolitan Opera na semana passada, foi um marco: o primeiro trabalho da companhia por um compositor negro. A música, de Terence Blanchard – um trompetista de jazz também conhecido por suas trilhas sonoras para filmes de Spike Lee – ganhou elogios de críticos clássicos e de jazz.
O principal crítico clássico do New York Times, Anthony Tommasini, descreveu “uma voz composicional dominada por uma escrita harmônica modal e cromática exuberante, marcada por ritmos irregulares e dissonância ácida”. O escritor de jazz Nate Chinen escreveu para NPR que “a implantação suave da harmonia estendida do jazz, muitas vezes respirando, em passagens fugazes, marca a peça como moderna – assim como o trabalho de uma seção rítmica aninhada dentro da orquestra.”
O Times enviou mais duas críticas para a segunda apresentação na sexta-feira. Seth Colter Walls, baseado na escrivaninha clássica, e Giovanni Russonello, que se especializou em jazz, têm ambos figuras que se cruzam com facilidade entre salas de concerto e clubes de jazz. Mas “Fire”, baseado em um livro de memórias de 2014 do colunista do Times Charles M. Blow, foi sua primeira noite na ópera juntos, o estímulo para uma discussão extensa.
SETH COLTER WALLS Quando entramos no Met, você se descreveu como um neófito da ópera. Mas, como disse Duke Ellington, boa música é boa música. E pelos nossos bate-papos de intervalo, sei que concordamos que este foi um trabalho extremamente agradável. Como você posiciona isso na carreira de Blanchard?
GIOVANNI RUSSONELLO Sabíamos que a obra de Blanchard é uma das mais amplas e imponentes de qualquer músico de jazz vivo. Mas fiquei impressionado com a quantidade de aspectos de sua produção anterior pareciam se encaixar em “Fire”. Ele é um dos raros compositores de jazz que consegue carregar uma peça com rica harmonia e verdadeiro prazer rítmico, sem sentir a necessidade de amarrar as coisas de maneira organizada ou entregar um resultado limpo. Esse estilo alimentou perfeitamente a ambivalência emocional que dá a esta ópera seu poder.
PAREDES Acho que essa qualidade é uma das armas que ele oferece a Spike Lee, que em seus filmes tende a se deliciar em manter viva a tensão ambígua. Blanchard pode suturar pequenas asas de esperança ao que de outra forma parece uma rocha de desespero e mantê-lo pensando se todo o conjunto vai subir ou cair.
RUSSONELLO Desde a cena de abertura de “Fire”, sua paleta diversificada foi posta a serviço da nuance narrativa. Enquanto Charles, o personagem principal, acelera pela rodovia, segurando uma pistola e uma decisão fatal nas mãos, uma sensação distante de swing surge do poço, impulsionada pelo baixista Matt Brewer e pelo baterista Jeff Watts, conhecido nos círculos de jazz Como Tain. Tinha o mesmo sentimento inquieto e agressivo de muitas das composições de jazz para pequenos grupos de Blanchard. Mas uma cortina de violinos também pairava acima, movendo-se em uníssono com as linhas vocais do barítono Will Liverman – e trazendo à mente algumas dessas trilhas sonoras arrebatadoras.
PAREDES Verdade, embora Liverman também parecesse um pouco sobrecarregado por um pouco daquela escrita inicial pesada de metais e percussão. Mas logo depois, a sutileza de seu canto me impressionou. Aspectos de Flintier de seu tom dominaram durante o primeiro ato, mas depois sumiram conforme a noite avançava. Mesmo na hora da melodia dos “botões dourados” no primeiro ato, acho que nós dois ficamos comovidos com o calor em sua voz.
RUSSONELLO E pela seriedade de seu dueto nessa melodia com a soprano Angel Blue, que interpreta três personagens: a meio ameaçadora Destiny; a solidária Solidão; e Greta, por quem se apaixona.
O que me leva a outro elemento de sucesso de “Fire” que reflete as raízes de Blanchard na tradição musical negra: a interação entre vocalistas, em duetos e conjuntos. Alguns dos momentos mais estimulantes não foram solos, mas performances compartilhadas: quando a mãe de Charles, Billie (Latonia Moore), canta sobre seus sonhos frustrados no início da ópera, o refrão está atrás dela descrevendo as condições difíceis de sua cidade, dando textura a suas lutas e peso. A provocação recorrente dos irmãos de Charles – “Charles baby, o mais novo de cinco” – torna-se um dos refrões mais memoráveis da ópera.
PAREDES Seguir Billie até seu trabalho na fábrica de preparação de carne também se transforma em um bom número de grupo. E, o que é crucial, há linhas de riso nessas e em outras cenas.
RUSSONELLO As apresentações de dança em grupo também se destacaram. A sequência do balé de abertura do Ato II e o número da equipe de passos no Ato III foram provavelmente os exemplos mais claros da tradição da diáspora africana reunida nas convenções de ópera; em ambos os momentos, algo acendeu.
Blanchard disse que, como sua primeira ópera, “Champion” (2013), “Fire” é uma “ópera no jazz”. Mas, como qualquer pós-modernista, sua compreensão do que constitui o jazz é bastante aberta. Pode significar uma harmonia descontroladamente estendida, inflexões de blues, cadências ímpares, pares instrumentais não convencionais. Com “Fire”, o projeto era uma ópera italiana clássica, mas os móveis eram esses outros elementos. E o ritmo magnético era uma constante o tempo todo.
PAREDES O elenco adorou deslizar figurações blues entre as passagens entregues com vibrato operístico.
RUSSONELLO Blanchard tem um talento especial para contra-intuição: uma cena consequente em um clube de blues começa com a orquestra tocando alguns blues diretos no fundo, mas quando o personagem do líder da banda (Spinner, o pai scalawag de Charles, interpretado por Chauncey Packer) chega ao palco, ele canta algo mais operístico e complexo.
PAREDES Eu amei aquela cabeça falsa de Blanchard. (Eu também queria participar de uma série completa de Spinner’s naquele clube.)
RUSSONELLO “Lord Love the Sinner”, do Spinner, é um hino do rapscallion que remete a “It Ain’t Necessously So” do Sportin ‘Life em “Porgy and Bess”. O que levanta a questão de como “Fire” se relaciona com outras obras do cânone americano que se alinham entre o blues, o jazz e a ópera – incluindo obras de William Grant Still (um de seus compositores favoritos, Seth) ou Ellington e Billy Strayhorn. (Que trabalho poderoso eles poderiam ter feito com uma comissão do Met?) Houve alguma pedra de toque importante que saltou quando pegamos “Fire”?
PAREDES Blanchard soa como Blanchard, o que é fundamental. Ele está vindo de uma tradição popular, como Still. Ele está adicionando toques de sua carreira de jazz ao poço de ópera, como Anthony Davis e Leroy Jenkins fizeram. Mas ele é seu próprio compositor. Alguns momentos conduzidos pelo piano me fizeram pensar em Jelly Roll Morton, conhecido pelo riff de “Il Trovatore” de Verdi, teria feito se tivesse a chance de deixar sua estética de Nova Orleans brilhar no palco do Met.
RUSSONELLO É importante notar que Nova Orleans – a cidade natal de Blanchard também – tem seus próprios ricos (embora totalmente esquecidos) história da ópera negra. A primeira ópera nos Estados Unidos foi encenada lá e, nos anos entre Reconstruction e Jim Crow, várias casas de ópera apresentavam elencos coloridos. O pai de Blanchard, um cantor de ópera amador, foi um herdeiro dessa tradição; isso, por sua vez, passou a fazer parte do DNA musical de seu filho.
PAREDES Aquela música de balé dos sonhos no segundo ato – perfeita para a dança lânguida e sugestiva com a qual estava combinada – foi apenas uma passagem sugerindo o amor de Blanchard pelo repertório padrão. Ainda não tivemos nada parecido com “Fire”. Leonard Bernstein analisou o trauma intergeracional em meio a um mundo sonoro distintamente americano em “A Quiet Place” – e embora eu ame, é também uma peça problemática notória. E “Porgy and Bess” nunca funcionou realmente como uma noite de teatro para mim. (Ótimas músicas, no entanto.)
Portanto, minha resposta a essa produção de grande orçamento foi: Finalmente! Recursos reais da música clássica estão sendo usados aqui, para uma verdadeira exploração da cultura musical americana. Eu sinto que há um grande potencial de público para este material – mesmo para pessoas que podem não se considerar operários. (“Fire” será transmitido simultaneamente para os cinemas em 23 de outubro como parte do programa Live in HD do Met.)
RUSSONELLO No início do Ato III, quando Charles se comprometeu com a fraternidade Kappa Alpha Psi, a rotina dos passos atraiu os mais longos e vigorosos aplausos da noite. Ele se baseou em uma tradição de dança que basicamente não tem relação com a ópera, mas recebeu um tipo diferente de poder ao aparecer no Met.
PAREDES Uma das virtudes do libreto de Kasi Lemmons – e do que Blanchard faz com ele – é que obtemos essas sequências que são elogios a baluartes da vida negra e críticas. A família ampliada de Charles, sua igreja e sua fraternidade, cada um desempenha um papel em impedi-lo de dizer a verdade sobre ser molestado por seu primo. O drama e a música continuam entrelaçando orgulho e frustração, de uma forma que faz com que a conclusão da ópera e a auto-aceitação de Charles pareçam verdadeiramente importantes.
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