O primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, sinalizou no domingo uma grande mudança na política externa da Rússia, após a recusa de Moscou em entrar no último conflito com o Azerbaijão pela disputada região de Nagorno-Karabakh.
Pashinyan disse à nação num discurso televisivo que as actuais alianças de segurança externa da sua antiga república soviética eram “ineficazes” e “insuficientes”.
Ele acrescentou que a Arménia deveria aderir ao Tribunal Penal Internacional (TPI) – um tribunal que emitiu um mandado de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, pelas suas ações na Ucrânia.
“Os sistemas de segurança externa em que a Arménia está envolvida são ineficazes quando se trata da protecção da nossa segurança e dos interesses nacionais da Arménia”, disse Pashinyan.
O seu discurso foi transmitido poucos dias depois de o Azerbaijão ter reivindicado o controlo total sobre Nagorno-Karabakh, após uma ofensiva relâmpago que forçou os rebeldes no território étnico arménio a concordar em desarmar-se.
A aparente capitulação dos separatistas poderá marcar o fim de um conflito entre os rivais cristãos e muçulmanos do Cáucaso que se alastrou – intermitentemente – ao longo das três décadas desde o colapso da União Soviética.
A Arménia é membro da Organização do Tratado de Segurança Colectiva (CSTO) – um grupo dominado pela Rússia composto por seis estados pós-soviéticos.
O grupo se compromete a proteger outros membros que sejam atacados.
Mas a Rússia está atolada numa guerra na Ucrânia e tornou-se cada vez mais isolada na cena internacional.
Argumentou que o próprio Yerevan reconheceu a região disputada como parte do Azerbaijão e recusou-se a ajudar a Arménia.
“Tornou-se evidente para todos nós que os instrumentos da OTSC e os instrumentos da cooperação político-militar Arménio-Rússia são insuficientes para proteger a segurança externa da Arménia”, disse ele.
“Devemos transformar e complementar os instrumentos de segurança externa e interna da Arménia, em cooperação com todos os parceiros que estão prontos para medidas mutuamente benéficas”, disse Pashinyan.
– ‘Respeite a nossa soberania’ –
O discurso de Pashinyan ocorreu após dias de críticas cada vez mais fortes em Moscou ao que tem sido o principal aliado da Rússia no volátil Cáucaso.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, acusou no sábado a Armênia de “colocar lenha na fogueira” com sua retórica pública.
Moscovo convocou no início deste mês o embaixador da Arménia após a sua decisão de acolher forças dos EUA para pequenos exercícios de manutenção da paz.
Os comentadores da televisão estatal russa têm atacado Pashinyan e outros líderes arménios pelas suas críticas a Moscovo.
Os comentários de Pashinyan sobre o TPI ameaçam gerar uma raiva especial no Kremlin.
A juíza do TPI, Tomoko Akane, emitiu um mandado de prisão para Putin em março pelo crime de guerra de deportação supostamente ilegal de crianças ucranianas.
Putin evitou visitar outros países membros do TPI para evitar a possibilidade de prisão.
Pashinyan enviou o Estatuto de Roma – um documento fundador do TPI – para ratificação parlamentar no início deste mês.
O líder arménio disse que o TPI poderia ajudar a “garantir a nossa segurança”.
“A decisão não é dirigida contra o CSTO e a Federação Russa”, disse Pashinyan sobre seu desejo de ingressar no tribunal.
Concluiu o seu discurso apelando “aos nossos colegas para que respeitem a nossa soberania”.
– ‘Agravamento das tensões’ –
O analista independente da Armênia, Beniamin Matevosyan, disse que Pashinyan estava “agravando deliberadamente as tensões com a Rússia”.
“Ele está dizendo abertamente à Rússia: se vocês não ajudarem a manter os armênios em Karabakh, eu renunciarei ao CSTO”, disse ele.
Matevosyan disse que os apoiantes de Nagorno-Karabakh e pessoas com raízes na região lideravam os protestos que têm ocorrido em toda a Arménia nos últimos dias.
“Ele tem medo da massa de 120 mil pessoas (de Karabakh). Ele está vendo que muitos Karabakhis estão participando dos protestos de rua atualmente”, disse Matevosyan à AFP.
A nova linha diplomática de Pashinyan também esbarra na dura realidade de que a Rússia ainda tem uma base militar na cidade arménia de Gyumri, que oferece a Moscovo uma importante influência geopolítica.
Acredita-se que a base abrigue 3.000 soldados e existe desde a Segunda Guerra Mundial.
O analista arménio Hakob Badalyan acrescentou que, tendo em conta a guerra na Ucrânia, as potências ocidentais podem não estar dispostas a envolver-se mais na região.
“O Ocidente não quer assumir a responsabilidade”, disse Badalyan. “Está dizendo à Armênia: negocie e faça a paz com (os rivais) Turquia e Azerbaijão.”
Nagorno-Karabakh é reconhecido internacionalmente como parte do Azerbaijão, de maioria muçulmana.
Mas o seu estatuto tem sido contestado há séculos.
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