RIO DE JANEIRO – O Brasil, líder global do clima transformado em vilão ambiental na gestão do presidente Jair Bolsonaro, abordou a conferência do clima das Nações Unidas em Glasgow pronto para provar que estava mudando de rumo, com compromissos de criar um programa de empregos verdes, reduzir as emissões de carbono e conter o desmatamento.
Mas mesmo como John Kerry, o enviado climático dos EUA, disse no Twitter que essas medidas acrescentaram “impulso crucial” ao combate às mudanças climáticas, os ambientalistas argumentaram que os planos careciam de ambição e de detalhes que os tornassem confiáveis.
E a ausência conspícua de Bolsonaro da cúpula levantou questões sobre seu compromisso com a reversão.
Uma semana antes do início da conferência, Sr. Bolsonaro disse em uma entrevista que não compareceria por motivos “estratégicos”, sem esclarecer. Dias depois, o vice-presidente Hamilton Mourão sugeriu que Bolsonaro queria se proteger da exposição.
Bolsonaro, que assumiu o cargo em 2019, supervisionou uma onda de desmatamento na Amazônia e a negligência generalizada das regulamentações ambientais, que o tornaram alvo de condenação em casa e no exterior.
Se o presidente comparecer à cúpula, “todos vão atirar pedras nele”, Sr. Mourão disse a repórteres. Em vez disso, disse ele, “haverá uma equipe robusta com a capacidade de, digamos, executar a estratégia de negociação”.
Dias antes da conferência, o governo brasileiro anunciou uma política para criar empregos verdes e ao mesmo tempo preservar as vastas florestas do país. Então, na segunda-feira, o Brasil se comprometeu a cortar as emissões pela metade até 2030, alcançando a neutralidade de carbono até 2050 e acabando com o desmatamento ilegal até 2028, um passo acima de sua promessa no ano passado.
Em um vídeo compartilhado em um dos eventos paralelos da cúpula, Bolsonaro chamou o Brasil de “uma potência verde” e declarou que “na luta contra as mudanças climáticas, sempre fomos parte da solução, não do problema”.
Mas a ausência de Bolsonaro vai contra o argumento de que o Brasil está mudando de curso, disse Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, um think tank de política climática.
“É uma grande contradição”, disse ela. “No momento em que deveria estar confirmando que quer ser mais ambicioso em relação às questões climáticas, ele não está presente”.
Ambientalistas e opositores políticos no Brasil também foram rápidos em apontar furos nos anúncios. O plano de crescimento verde carecia de detalhes para torná-lo confiável, disseram, e os compromissos sobre as emissões incluíam uma ressalva significativa, revelada pelo exame dos aspectos técnicos da proposta.
Em 2015, como parte do Acordo de Paris, o Brasil prometeu reduzir as emissões de carbono em 43 por cento. Agora, ela prometeu cortar as emissões em 50%. Mas o que parece uma melhoria não é, dizem os especialistas. O número base utilizado para o cálculo em ambos os casos – emissões do Brasil em 2005 – foi ajustado desde o primeiro penhor. Portanto, cada compromisso se traduz no corte de aproximadamente a mesma quantidade de dióxido de carbono, cerca de 1,2 gigatonelada.
“É um compromisso antigo e novo”, disse Marcelo Ramos, deputado amazonense e vice-presidente da Câmara dos Deputados. “Mais uma vez o Brasil não mostra ambição.”
Depois, há a questão da ficha do Brasil. Por lei, o país deveria já ter começado a cortar suas emissões. Em vez disso, emissões cresceu para níveis não visto desde 2006, o que o torna um dos poucos países onde as emissões aumentaram durante a pandemia.
O aumento foi em grande parte impulsionado por um aumento no desmatamento. De agosto de 2020 a julho de 2021, a porção brasileira da Amazônia perdeu 4.200 milhas quadradas de cobertura de árvores, de acordo com os últimos números publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Se o Brasil tivesse seguido seus compromissos anteriores de desmatamento, a taxa seria cerca de um terço do que é agora.
Ainda assim, o cronograma divulgado pelo governo a tempo para a cúpula de Glasgow faria o país reverter drasticamente o curso e reduzir o desmatamento em 15% a partir do próximo ano – uma redução que o Brasil não via há quase uma década.
A falta de credibilidade nos compromissos do Brasil já está prejudicando sua economia. Dezenas de grupos ambientais e de direitos humanos escreveram uma carta exortando a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico a considerar o fraco desempenho ambiental do país antes de aceitá-lo como membro de seu clube de nações desenvolvidas. Também liderou líderes políticos na Europa para atrasar a conclusão de um tratado de livre comércio entre a União Européia e o bloco sul-americano Mercosul.
Muitos dos outros líderes do Brasil estão ansiosos para mostrar que o país é mais do que a visão de Bolsonaro. Executivos de algumas das principais empresas do Brasil e de mais da metade dos governadores de estado do país estão em Glasgow apresentando seus próprios planos.
“É difícil fazer muita coisa sem o governo federal”, diz Marcello Brito, porta-voz da Coalizão Brasileira pelo Clima, Florestas e Agricultura, organização sem fins lucrativos que reúne empresas do agronegócio e ambientalistas. “Mas vamos mostrar nossos rostos e encontrar uma maneira de atrair parte do financiamento verde disponível no mundo.”
Como o país mais biodiverso do mundo, com uma rede elétrica que depende principalmente de energia limpa, o Brasil poderia se beneficiar muito com uma economia global mais verde. Acabar com o desmatamento ilegal e restaurar terras degradadas poderia ajudar o país a ir além de sua meta de emissões de dióxido de carbono, permitindo-lhe vender a diferença como créditos de carbono para países e empresas que não podem cumprir seus próprios objetivos sozinhos.
A regulamentação desse comércio internacional de crédito de emissões, descrita no Artigo 6 do Acordo de Paris, é uma das metas mais ambiciosas que as nações esperam alcançar em Glasgow. O mercado global pode gerar US $ 167 bilhões por ano até 2030, de acordo com a International Emissions Trading Association.
E se for capaz de tomar medidas para proteger seu meio ambiente, o Brasil pode estar particularmente bem posicionado para se beneficiar.
“Poderíamos usar a receita de um mercado de carbono para reduzir a desigualdade”, disse Unterstell, especialista em políticas climáticas. “A descarbonização não impõe sacrifício à economia brasileira – muito pelo contrário.”
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