No dia em que Emanoel Araújo morreu, no ano passado, seu museu estava em ruínas.
Era 7 de setembro, aniversário de 200 anos da independência do Brasil, e as reformas do Museu Afro Brasil haviam começado no mês anterior.
Artista conhecido tanto por suas esculturas geométricas e relevos quanto por sua tenacidade e propensão para conseguir o que queria, Araújo (pronuncia-se Ahra-OO-zhoh) faltava apenas dois meses para completar 82 anos quando morreu – 18 anos depois de fundar o museu e mais tarde lutar por financiamento estatal para atualizações tão necessárias.
Mesmo com pisos sendo demolidos e paredes derrubadas, Araújo insistiu em que o Museu Afro Brasil – que leva seu nome no prédio e que ele considerava sua obra mais importante – não fechasse completamente, deixando as exposições de longa duração abertas ao público. público.
Embora não seja muito conhecido em muitas partes do mundo, Araújo é um nome conhecido no mundo da arte brasileira. Ele passou a vida tentando criar espaços expositivos tão necessários para artistas afro-brasileiros pouco reconhecidos — isso em um país com uma população majoritariamente negra — e doeu-lhe pensar que as portas do museu, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, estaria fechado.
“Já tivemos que fechar por oito meses em 2020 por causa da pandemia, e Emanoel estava muito angustiado e preocupado com isso”, disse Sandra Salles, diretora executiva do Museu Afro Brasil, em entrevista recente. “Ele se recusou a trabalhar em casa. Rimos porque mesmo quando o parque estava fechado e não podíamos chegar fisicamente ao museu, ele queria ir trabalhar.”
Assim, quando Araújo morreu, não houve necessidade de discutir onde seria seu funeral. Amigos e colegas reuniram-se e começaram a esvaziar a galeria junto à entrada do piso térreo do museu. No centro da sala de pé-direito alto e com paredes brancas e nuas, exceto por dois relevos de Araújo, foi colocada uma das peças mais conhecidas do artista, “Baobá”.
A escultura, uma imponente figura vertical com ângulos agudos esculpida em madeira e pintada de preto, tem o nome de uma árvore sagrada para o povo iorubá da África Ocidental. Representa a ligação entre os mundos físico e espiritual e é considerada uma testemunha do tempo e guardiã da memória. É também um símbolo adequado para um homem que passou a vida tentando preservar a história e a cultura dos afro-brasileiros através de seus artistas.
“Ele costumava dizer: ‘Se eu não me lembrar deles, lembre-se da história deles, ninguém se lembrará’”, disse Salles. “’Este país não tem memória. Eles vão pensar que tudo isso caiu do céu.’”
Agora os holofotes se voltam para o trabalho de Araújo: sua primeira exposição individual nos Estados Unidos será na Jack Shainman Gallery, em Nova York, que também representa seu espólio. A mostra, que estreia no dia 12 de setembro, vai destacar peças que o artista criou ao longo de sua carreira, dos anos 1970 a 2022, em diversos suportes, incluindo madeira, metal e objetos encontrados.
“Ele passou grande parte de sua vida apoiando outros artistas”, disse o cofundador da galeria, Jack Shainman. “De certa forma, ele estava escondido à vista de todos. E suas preocupações, suas intenções, seu trabalho realmente se assemelham a tantos dos artistas com quem já trabalho que adicionar sua voz parece quase como se fosse parte de um refrão.”
Grande parte da coleção pessoal de peças de artistas africanos e afro-brasileiros de Araújo – que chega a milhares e está espalhada por suas casas e pelo Museu Afro Brasil – também será leiloada ainda este ano em São Paulo, na esperança de que eles continuarão disponíveis para exibição pública.
Nascido em uma família de ourives na cidade de Santo Amaro da Purificação, na Bahia, no nordeste do Brasil, Araújo aprendeu a trabalhar a madeira no ateliê do mestre entalhador, Eufrásio Vargas. Aos 13 anos, ele conseguiu um emprego como designer gráfico na Imprensa Oficial de sua cidade natal, empresa que imprime comunicações e anúncios governamentais.
Seis anos depois, certo de estar no caminho certo como artista, realiza sua primeira exposição individual. Logo mudou-se para a capital do estado, Salvador, onde estudou gravura na Escola de Belas Artes da Bahia. Ele exibiria seu trabalho em cerca de 50 exposições individuais e mais de 150 exposições coletivas, ganhando vários prêmios ao longo do caminho, incluindo uma medalha de ouro na Bienal Gráfica de Florença de 1972.
Depois de uma passagem como diretor do Museu de Arte da Bahia no início dos anos 1980, Araújo rumou para Nova York, onde ministrou cursos de artes gráficas e escultura no City College. De volta ao Brasil, passou uma década como diretor da Pinacoteca de São Paulo, um dos museus de arte mais importantes do país, antes de fundar o Museu Afro Brasil em 2004.
Colecionador ávido, ele encheu as imensas galerias do museu com arte que acumulou ao longo dos anos: uma mistura de obras que abordam temas como trabalho, agricultura e escravidão. Todos contam a história da jornada que os africanos fizeram quando foram trazidos à força para o Brasil e da resiliência que necessitaram para reconstruir as suas comunidades e manter as suas culturas.
Quando Araújo gostava de um artista, tinha como missão comprar todas as peças que encontrasse. Ele era apaixonado por colecionar e expor obras de artistas negros pouco conhecidos, como os irmãos João e Arthur Timótheo da Costa, que trabalharam juntos na Casa da Moeda do Brasil, desenhando carimbos e gravuras antes de se concentrarem na pintura no início do século XX.
Mas embora Araújo ganhasse elogios por apoiar determinados artistas, foi criticado por não incluir outros.
“Quem tem um olhar crítico percebe que há poucas mulheres artistas representadas no museu”, disse Amanda Carneiro, curadora e organizadora artística da Bienal de Veneza de 2024, que trabalhou ao lado de Araújo como assistente de coordenação na área de educação do Museu Afro Brasil. Centro. “Tudo tem seus limites. O Museu Afro Brasil é maravilhoso, mas quando algo fica sozinho acaba tendo mais peso e não sendo plural o suficiente na representação da diversidade.”
Isso é algo que Salles acredita que Araújo tentou mudar nos meses que antecederam sua morte. As duas últimas exposições supervisionadas por Araújo foram “Múltiplas Vozes Femininas”, apresentando 86 obras de 28 artistas femininas.
Embora o gosto de Araújo em acumular o maior número possível de obras de um único artista possa ter parecido excessivo, também apontava para a sua generosidade. Doou inúmeras peças de seu acervo pessoal ao Museu Afro Brasil – cerca de 2 mil obras do acervo de 9 mil peças do museu foram emprestadas por ele – e fez doações a diversos outros institutos de arte, incluindo a Pinacoteca.
“Ele fez uma grande diferença, ainda faz uma grande diferença”, diz Keyna Eleison, curadora e ex-diretora artística do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. “Precisamos continuar falando do Emanoel. Ele precisa ser referenciado. Precisamos torná-lo um nome familiar.”
Araújo passava pouco tempo no escritório escondido num canto do museu e raramente se sentava, mas quando o fazia era na mesa da sua secretária há mais de 30 anos, Maria de Fátima Pádua, para discutirem as tarefas do dia. . Um chefe exigente que também adorava brincar, ele geralmente podia ser encontrado circulando pelo museu com um de seus chapéus exclusivos e sapatos de grife – Burberry e Prada eram seus favoritos – com seus cachorros, Joca e Tim, ao seu lado.
Para Araújo, alguns dos funcionários mais antigos eram como uma família. Sua secretária agora cuida de seus cachorros, cujas tigelas de cerâmica amarela e branca ainda estão na prateleira de seu escritório. Ao lado deles está uma foto emoldurada de um bebê gordinho e sorridente, filho de outro funcionário do museu e afilhado e homônimo de Araújo.
Para as pessoas que trabalhavam mais próximas dele, ele também era como uma família.
“Ele pode ter morrido, mas o museu nunca ficará sem ele”, disse Salles. “Tudo isso sempre terá vindo dele.”
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